terça-feira, 26 de maio de 2020

Reunião do GENTE - Maio/20


Leituras e discussões [13/05] – dos textos: “Computação e computador”, de Cleomar Rocha e, “A importância da Filosofia em meio à crise da Covid-19”, de Igor Ferreira Fontes.

  1. Computação e Computador
  2. A importância da Filosofia em meio à crise da Covid-19
Filme “Parasitas" [21/05] – Palestra da psicanalista Ceres Leda:


Comentário filme Parasita

Por: Ceres Leda F F Rubio - Psicanalista

e-mail: ceresleda@hotmail.com


Podemos discutir o filme Parasita a partir de diversos discursos, os apontamentos sobre as diferenças de classes sociais dentro de uma sociedade capitalista seriam as mais evidentes. O filme coloca em demonstração os privilégios de uns e a vulnerabilidade massacrante de outros dentro de uma sociedade de classes.

No entanto, eu enquanto psicanalista vou preferir trazer para a discussão alguns elementos e conceitos psicanalíticos para entendermos a trama e a relação entre seus personagens.

O primeiro ponto que trago seria a respeito do título: Parasita. O que de fato poderia ser considerado na trama o verdadeiro Parasita e o que estaria por trás dessa nomeação?

O segundo ponto, eu perguntaria, a que serviria a família Park, o senhor Park mais especificamente repetir recorrentemente a necessidade da premissa de que seus empregados “não ultrapassassem seus limites”?

E por último, a respeito da violência, o que faz romper o ímpeto para matar?

Para a Biologia, considera-se ou se diz de um Parasita o organismo que vive de e em outro organismo, dele obtendo alimento e não rara causando danos. Ou simbolicamente diz-se de um indivíduo que vive à custa alheia por pura exploração ou preguiça.

Tomar a família Kim como parasitas eu creio que seja muito simples, e não me parece ser o melhor adjetivo que os nomeariam. A família Kim, como descreve seu filho, “são saudáveis, e apenas desempregados”, e apesar de usarem de meios não éticos para conseguir um trabalho empregam lá suas habilidades e recebem por isso, mesmo quando desastradamente confeccionam caixas, há ali uma troca, trabalho x salário. O que me chama a atenção, e me faz pensar a respeito de suas posições subjetivas, é o que eu poderia descrever como indolência. No sentido etimológico seria uma ausência de dor, uma espécie de apatia, de indiferença emocional quanto a dor que vivem. Não os vemos reclamando nem mesmo na cena dramática da inundação onde estão completamente desamparados, nem entre eles, e nem para com os patrões. A completa ausência de um Outro, seria uma resposta, não terem a quem recorrer, estão sozinhos com seus sofrimentos. Por outro lado, psicanaliticamente, poderíamos colocar essa apatia relacionada ao campo do desejo desses sujeitos. Algo se manifesta mortificado, sem motivação, sem sentido e a crença de que o desejo não possa ser realizado, como podemos constatar na fala de Kim “sem planos nada na vida dará errado”, uma defesa radical contra o desejo e a frustração. Ele, o pai dessa família, transmite essa subjetividade de um desejo morto, não poder sonhar, não fazer planos. Desejar, implica em se responsabilizar sobre a realização do que se quer. Ao contrário dessa posição sem esperança, mortificada, o filho de Kim, o tutor Kevim, se mostra desde o início algo diferente quando verbaliza o desejo de ir para a universidade, arrumar um emprego, e o desejo de pertencer a outro ambiente. A pergunta dirigida a aluna “eu me encaixo aqui?” ao admirar as pessoas no ambiente da festa prova isso. Algo do vivo aparece nele, diferente do resto dessa família, aquele que não está paralisado quanto ao desejo, ele sonha, não está aí só para alimentar suas necessidades básicas. Quer ir além, se arrisca, não recua diante do amor e é salvo por ele ao final do filme.

Diferente do jovem Kevin, está também a paralisia do desejo do primeiro morador do Bunkers , “o mendigo morto”. Ao ser encontrado suplica para deixá-lo viver isolado, não se sente qualificado para receber benefícios e assumir seus desejos, só deseja ser alimentado na necessidade básica e é grato “ao Sr Park”. Esse é venerado como a um Deus, lembrando o ditador que governa a Corea do Norte, um Outro dono das suas necessidades e proventos. Aqui o lampejo do que o mantém ainda vivo é pensar ter o amor da esposa na velhice, e isso quando retirado dele provoca a fúria e a morte.

Podemos desse modo, responder que Parasita é a inércia do desejo, que mortifica o sujeito e assim esse só existiria para ser objeto dejeto do outro.

A segunda questão , a que serve o “que eles não ultrapassem o limite?” O limite já é dado naturalmente pela separação de classes sociais, mais especificamente nas duas posições de empregado e empregador, onde um paga pelo serviço do outro. Mas algo parece ir além, há uma insistência de reflexão do senhor Park com essa regra para que o funcionário trabalhe para ele. E um outro ponto visível é a necessidade de pagamentos de altos salários, pagamentos extras diante de qualquer demanda, como também uma preocupação de evitar conflitos com esses funcionários, acreditando aí estabelecer uma ética na relação. O que eu posso apreender desse comportamento exigente, é a existência de uma defesa racional para aquilo que é da ordem do pulsional e que não tem barreira e nunca terá, e a suposição de que o pagamento, o não devo nada a eles, apaguem qualquer possibilidade de afeto direcionada aos funcionários.

Lacan diz que toda demanda direcionada ao sujeito pode ser considerada demanda de Amor. As relações humanas por mais que existam normas e regras sociais para estabelecê-las, elas ocorrem a partir da existência de um inconsciente pulsional que percorrem entre os sujeitos independente de suas consciências e de serem de classes, raças, diferentes. Podendo ocorrer o compartilhamento de sentimentos, a suscitação do desejo, de identificações, o despertar do amor, a indiferença, o ódio etc., funcionando inconscientemente. E isso vemos ocorrer na relação da família Kim com as de Park, na queixa sobre o odor que eles exalavam e denunciavam sobre o lugar de onde vinham, mas que a família abastada se recusa a constatar, de modo indiferente negando qualquer interesse em conhecê-la apontando o ódio e suscitando-o; no escandalizar da suposição do motorista transar no carro da família e isso lhe servir de fantasia erótica para o casal Park; no compartilhar do constrangimento do Sr Park com o Sr Kim vestidos de índio para agradar a esposa Park. Nessa cena fica claro que diante da percepção dessa intimidade mútua, Sr Park recusa esse compartilhamento afetivo, avisando a Kim que ele era pago para isso, marcando a separação, o desprezo pelo afeto que poderiam compartilhar. Seria como dizer “eu não quero o seu amor”, não passar ultrapassar seus limites.

O terceiro e último ponto, seria a resposta sobre de onde viria o ímpeto para matar?

Quatro pessoas morrem, a filha de Kim, Sr. Park e a família do morador do Bunkers. Os assassinatos são manifestações da Pulsão de Morte. Para Lacan a pulsão de morte está lá desde o início da vida do sujeito, ela nasce primeiro que o amor. O amor, uma invenção que surge para fazer laço social, para fazer existir a civilização onde as pessoas abdicam de seus impulsos para conviverem socialmente. O amor que aplaca a agressividade, que faz existir a empatia com a dor e desconforto do outro. O contrário do amor, não é o ódio, diria Lacan, é a indiferença! A indiferença pelo outro, faz o outro desaparecer, apagar qualquer sinal de vida e afeto, de compaixão pela vida que o outro tem.

A família Park, a família Kim, e a família do Bunkers sofrem também de indiferença, eles mataram e também morreram pela pulsão de morte que não encontrou nenhum anteparo para ser barrado. Mataram para se livrar do Outro perseguidor que os fizeram de objeto de sua indiferença. 

O único que sobreviveu mostrando que estava vivo, o jovem Kim, foi o que apresentou empatia, benevolência (quis dar a pedra da felicidade), deixou-se amar pela aluna e se apaixonar, sendo salvo por ela. No filme foi o único que continuou sonhando e desejando.




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